Maledicência
Definição
bem amena para um dos maiores flagelos da Humanidade.
Mais terrível
do que uma agressão física. Muito
mais do que o corpo, fere a dignidade humana, sujar reputações, destrói existências.
Mais insidiosa
do que uma epidemia, na forma de boato - eu "ouvi dizer" - alastra-se
como rastilho de pólvora.
Mera
visão pirotécnica em princípio: "Ele paga suas contas com
atraso" ou "Ela sai muito de casa".
Depois, explosiva: "Ele é um
ladrão! " ou "Ela
está traindo o marido!"
Arma
perigosa, está ao alcance de qualquer pessoa, em qualquer idade, e é muito
fácil usá-la: basta ter um pouco de maldade no coração.
Tribunal
corrupto, nele o réu está, invariavelmente, ausente. É acusado, julgado e condenado, sem
direito de defesa, sem contestação, sem misericórdia.
Tão
devastadora e, no entanto, não implica nenhum compromisso para quem a
emprega. Jamais
encontraremos o autor de um boato maldoso, de uma "fofoca” comprometedora.
O maledicente sempre "vende" o que "comprou".
Ninguém
está livre dela, nem mesmo os que se destacam na vida social pela sua
capacidade de realização, no setor de suas atividades. Estes, ao contrário, são os mais
visados. Nada mais gratificante
para o maledicente do que mostrar que "fulano não é tão bom como se
pensa".
Não há
agrupamento humano livre da maledicência. Está presente mesmo onde jamais
deveria haver lugar para ela: em instituições inspiradas em ideais religiosos
de serviço no campo do Bem. Quando
se manifeste nessas comunidades, infiltrando-se pela invigilância de
companheiros desavisados, que se fazem agentes do Mal, é algo profundamente
lamentável, provocando o afastamento de muitos servidores dedicados e
aniquilando as mais promissoras esperanças de realização espiritual.
Nem mesmo o Cristo, inspiração suprema
desses ideais, esteve livre dela. Exemplo
tipico de seu poder infernal foi o comportamento da multidäo, que reverenciou
Jesus na entrada triunfal, em Jerusalém; no entanto, poucos dias depois,
instigada pela maledicência dos sacerdotes judeus, festejou sua crucificação,
cercando a cruz de impropérios e zombarias.
A maledicência tem sua origem, sem
dúvida, no atraso moral da criatura humana. Intelectualmente, a Humanidade atingiu
culminâncias. Chegamos à Lua, desintegramos o átomo. Moralmente, entretanto, somos
subdesenvolvidos, quase tão agressivos e inconseqüentes como os habitantes das
cavernas, e, se o verniz de civilidade nos impede de usar a clava, usamos a
língua, atendendo a propósitos de auto-afirmação, revide, justificação ou pelo
simples prazer de atirar pedras ein vidraças alheias.
Não se dá conta aquele que se compraz
em criticar a vida alheia, que a maledicência é um ato de autofagia (condição
do animal que se nutre da própria substância, que come o próprio corpo). O
maledicente pratica a autofagia moral. A
má palavra, o comentário desairoso contra alguém geram, no autor, um clima de
desajuste íntimo, em que ele perde força psíquica e se autodestrói moralmente,
envenenando-se com a própria maldade. Por
isso, pessoas que se comprazem nesse tipo de comportamento são sempre inquietas
e infelizes.
Jesus adverte que o maldizente
fatalmente será vítima da maledicência, quer porque onde estiver criará
ambiente propício à disseminação de seu veneno, quer porque a Vida o situará,
inelutavelmente, numa posição que o sujeitará a críticas e comentários
desairosos, a fim de que aprenda a respeitar o próximo.
Deixando bem claro que a ninguém
compete o direito de julgar, o Mestre recomenda que, antes de procurarmos
ciscos no olho de nosso irrnäo, tratemos de remover a lasca de madeira que
repousa, trânqüila, no nosso. Se
possuímos incontáveis defeitos, se há tantas tendências inferiores em nossa
personalidade, por que o atrevimento de criticar o comportamento alheio?
E há os estudos de Psicologia que
oferecem uma dimensão bem maior ao ensinamento evangé1ico. Admitem hoje os psicólogos que
tendemos a identificar com facilidade nos outros o que existe em abundância em
nós. O mal que vemos em outrem é algo do mal que mora em nosso coração. Por isso, as pessoas virtuosas, de
sentimentos nobres, são incapazes de enxergar maldade no próximo.
É preciso, portanto, treinar a
capacidade de enxergar o que as pessoas teem de bom, para que o Bem cresça em
nós. O primeiro passo, dificil mas indispensável, é "minar a
maledicência. Um recurso
valioso para isso é usar os três crivos, segundo velha lenda de origem desconhecida,
que vários escritores atribuem a Sócrates, lembrada pelo Espírito Irmão X, psicografia de Francisco Cândido
Xavier, em mensagem publicada pela revista "Reformador", no mês de
junho de 1970:
"Certa
feita, um homem esbaforido achegou-se ao grande filósofo e sussurrou-lhe aos
ouvidos:
- Escuta,
Sócrates... Na condição de teu amigo, tenho alguma coisa de muito grave para
dizer-te, em particular...
-
Espera!... - ajuntou o sábio, prudente. Já passaste o que me vais dizer
pelos três crivos?
- Três
crivos? - perguntou o visitante, espantado.
- Sim,
meu caro, três crivos. Observemos
se a tua confidência passou por eles. O primeiro é o crivo da verdade. Guardas absoluta certeza quanto aquilo
que me pretendes comunicar?
- Bem -
ponderou o interlocutor -, assegurar, mesmo, não posso... Mas, ouvi dizer
e...então...
-
Exato. Decerto peneiraste o
assunto pelo segundo crivo, o da bondade. Ainda que não seja real o que julgas
saber, será pelo menos bom o que me queres contar?
Hesitando,
o homem replicou:
- Isso não ... Muito pelo contrário...
- Ah! - tornou o sábio - então
recorramos ao terceiro crivo, o da utilidade, e notemos o proveito do que tanto
te aflige.
-
Útil?!... - aduziu o visitante ainda mais agitado. - útil não é...
- Bem - rematou o filósofo num
sorriso -, se o que me tens a confiar não é verdadeiro, nem bom e nem útil,
esqueçamos o problema e não te preocupes com ele, já que de nada valem casos
sem qualquer edificação para nós. . . "
Referências bibliográficas:
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